O Feitiço da Ilha do Pavão

26/08/2012 às 3:25 | Publicado em Baú de livros | 2 Comentários
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Um dos melhores livros que li de João Ubaldo Ribeiro, um dos maiores escritores vivos da língua portuguesa. Recomendo ! Abaixo um trecho onde o índio Balduíno Gato Mau ensina como preparar uma porção ‘mágica’ que levanta até elefante adormecido.


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Agora, enquanto Iô Pepeu decidia se ia à bica tomar um banho, porque, mesmo a
manhã estando tão fresca, tinha suado muito com Vitória, brotou de novo a lembrança que
durante toda a semana o alegrara, voltando à sua cabeça em horas inesperadas. A tisana de
Tantanhengá, Balduíno Galo Mau! Balduíno Galo Mau, índio tupinambá muito do péssimo no
ver da maioria, homem de alto valor no ver de Iô Pepeu, ras-tejador mestre, doutor dos matos, amigo de todas as ervas, conhecedor de todos os bichos, íntimo de todas as árvores, velhaco como toda a mascataria levantina, matreiro como oitocentos curupiras, mentiroso como um frade viajante, o maior entendido em aguardente de cana de que se tem notícia, do fabrico ao desfrute — e a única coisa que lhe falta é saber falar direito língua batizada, mas há quem afirme que é fingimento. Balduíno lhe dissera que de fato as palavras são de grandíssima importância, havendo homens que obram qualquer graça ou desgraça com elas, a seu belo talante. Mas, por mais  importantes, no fundo não passam de vento mastigado e, por conseguinte, não podem com a força das plantas e das qualidades dos bichos,  que são a própria Natureza e ninguém vence a Natureza. Comprende coisa aqui, disse Balduíno, zerva forte, muito forte, zerva do mato boa. Pega isso, índio pega: txutxu-riana, dois mói; casca do ipê-roxo, duas lasca; capabiléu, duas raiz grossa; um cunhão de jacaré-curuá; caroço de curuiri, duas mão; ponta de rabo de jararacuçu; cardo de ceranambi apurado até não poder, três mais um dedo de caneca; milômi, dois mói; acatuaba, três lasca; bola de nhaca de porco-do-mato, pronto. Afere-venta, afereventa, deixa sereno três dia, bebe xuque-xuque-xuque, pronto. Daí a pouquinho o fulano começa a sentir uma quenturinha nos baixios, quenturinha essa que  vira um calorão, calorão esse que levanta o mucurango que chega a parecer que ele vai estourar e aquilo fica o dia inteiro e a noite inteira que nem um pau de bandeira e nem todas as mulheres da vila, encarreiradinhas, conseguiriam abaixá-lo. Escalavrar, desfarelar, sim, mas derribar, nunca do nunca.

ÍNTEGRA DO LIVRO EM PDF: http://www.4shared.com/office/tbhRULeA/joao_ubaldo_ribeiro_-_o_feitio.html

2 Comentários »

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  1. Já que o autor fala do feitição que deixa o pau do índio mais encalacrado do que pau de defunto. Por simples sugestão, receito para as candidatas que vistarem na imaginação a Ilha do Pavão – que tomem Chá de Casca de Barbatimão – uma árvore nativa, muito conhecida no norte e nordeste. Depois me contem o resto do ritual. As experiencias podem ser contadas aqui mesmo. E já disseram que a imaginação pode mais do que o conhecimento. O que seria do escritor sem imaginação. Por isso que gosto do Ubaldo, seguindo o bom gosto do exemplo do amigo Jose Rosa. Ele faz o autor viajar na imaginação e no desconhecido, cujos mundos,paradoxalmente, sempre tem um ponto de encontro no “conhecido” da brasilidade exótica e criativa do povo da Terra Brasilis, decodificando idiossincrasias populares infinitas, coloridas, rebuscadas,gostosas, criativas, descontraídas ao extremo, que fazem a relação de conivência entre o imaginário cultural do povo brasileiro e o teor do que escreve o autor.

  2. […] mais uma crônica domingueira de João Ubaldo, como as eleições estão próximas é bom ler. E esperar que Zecamunista retorne até […]


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