GENTIDADES – Darcy Ribeiro

06/05/2013 às 3:57 | Publicado em Baú de livros | 2 Comentários
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Gentidades


Mais um excelente livro de Darcy Ribeiro, neste “Baú de Livros” do ZEducando. São três ensaios deliciosos, mas o último, sobre Allende, é imperdível. Minha geração, saída da castração político-ideológica da ditadura não teve, ou teve muito pouca, oportunidade de ler, estudar e debater esses temas, tão ou mais importante que qualquer outro. O resultado ? Todos sabemos, a começar pela primeira oportunidade que tivemos para eleger um presidente… e continuamos a eleger toda sorte de ma-ma (malucos e malandros) em todos os rincões desta Pindorama, faltou-nos aprender-fazendo democracia e isto não foi, nem é, por acaso. Sobre o “suicício” de Allende, divulgado no Brasil-militar da época, me lembro apenas (estava com 14 anos de idade) do comentário de meu velho pai:

– Como pode um homem se suicidar com um tiro de fuzil ?

Destaco abaixo alguns trechos do livro:

GILBERTO FREIRE – UMA INTRODUÇÃO À CASA GRANDE E SENZALA

“Com efeito, Casa Grande e Senzala é o maior dos livros brasileiros e o mais brasileiro dos ensaios que escrevemos. Por quê ? Sempre me intrigou, e me intriga ainda, que Gilberto Freire sendo tão tacanhamente reacionário no plano político – em declaração recente chega a dizer que a censura à imprensa é, em geral, benéfica e que nos Estados Unidos a censura é mais rigorosa do que em qualquer outro país do mundo – tenha podido escrever esse livro generoso, tolerante, forte e belo.”

SALVADOR ALLENDE E A ESQUERDA DESVAIRADA

“Eu lhes digo, companheiros, com calma, com tranquilidade absoluta: eu não fui feito para apóstolo nem para messias, não tenho condições de ser mártir; sou um lutador social que cumpre uma tarefa, a tarefa que o povo me deu. Mas que o entendam os que querem fazer a história retroceder e querem desconhecer a vontade majoritária do Chile: sem ter carne de mártir, não darei um passo atrás; deixarei La Moneda quando tiver cumprido o mandato que o povo me deu. Que o saibam, que o ouçam, que lhes fique profundamente gravado: defenderei a revolução chilena e defenderei o governo popular, porque é o mandato que o povo me entregou; não tenho outra alternativa. Só me crivando de balas poderão impedir a vontade que é cumprir o Programa Popular” (Salvador Allende, 4 de dezembro de 1971)

“Há muito que aprender desta experiência única de repensar com originalidade os princípios da política econômica para conduzir um processo de transição ao socialismo, dentro da institucionalidade vigente. Entre suas vitórias estão: a de haver acabado com o desemprego; a elevação substancial do padrão de vida das camadas mais pobres; o aumento ponderável da produtividade industrial; a ativação da Reforma Agrária; a imposição do controle estatal sobre os bancos privados e o comércio exterior; a socialização das empresas chave; e, sobretudo, a recuperação para os chilenos das riquezas nacionais, começando pelo cobre, sujeito desde sempre às mãos estrangeiras. Em três anos, Allende conseguiu mais por esta via que qualquer revolução socialista em igual período. Por isto é que, mesmo sendo governo, ganhou eleições, o que jamais havia ocorrido no Chile. Mas também levou ao desespero os privilegiados, desafiando-os a promover a contrarevolução como único modo de garantir a sua sobrevivência como classe hegemônica. Para isto, eles atuaram principalmente sobre os militares e sobre as classes médias cuja aliança lhes garantiria a vitória.”

“O que não pode ser posto em dúvida é o que Allende explorou até os últimos limites as possibilidades que a história abriu aos chilenos de edificar o socialismo em democracia, pluralismo e liberdade. E que a Unidade Popular teve possibilidades de vitória com respeito às quais a direita chilena e o imperialismo jamais duvidaram. Sua lição é ter nos indicado um caminho duro e difícil. Um caminho que exigirá, amanhã, dos que o retomarem, a mesma lucidez, inteireza, retitude e coragem com que Allende marchou para ele até a morte, com o propósito de, sobre sua derrota, abrir uma via vitoriosa ao socialismo. A via evolutiva, participatória, pluralista, parlamentar e democrática, apesar de tão dificultosa, é a mais praticável em muitas conjunturas no mundo de hoje.

Com Che Guevara a história nos deu o herói-mártir do voluntarismo revolucionário que dignificou a imagem desgastada das lideranças da velha esquerda ortodoxa. Com Allende, a história nos dá o estadista combatente que chega à morte lutando, em seu esforço por abrir aos homens uma nova porta para o futuro, um acesso ao socialismo libertário que pode e que deve ser.

Ele será o inspirador dos que futuramente terão que lutar pelo socialismo, sob oposição parlamentar e debaixo do risco de um golpe militar. Oxalá, onde e quando isso ocorra, exista uma esquerda por fim politicamente madura e dessacralizada de dogmatismos, tão combativa quanto lúcida e sobretudo capacitada para ver objetivamente a situação em que atua e para aceitar e enfrentar as tarefas que a história lhe proponha.”

(DR, Lima, setembro de 1973)

Allende

2 Comentários »

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  1. Darcy Ribeiro me faz ver que há outros caminhos para fazer revolução e contra-revolução.

    Conjugo e absorvo as palavras de Darcy Ribeiro neste post com o mesmo espirito contido no livro ” A casa dos espíritos”, escrito pela sobrinha de Allende.

    Darcy Ribeiro e Isabel Allende, cada um a seu modo, tiveram a percepção extra sensorial e espiritual do mundo político de seu tempo, privilégio que poucos tem. Suas obras conseguiram colher o caldo de cultura que flui com sentimentos vivos de personagens que impactaram as mudanças políticas de seus respectivos países, os quais moldaram psicodramas da alma do povo, construindo diferenças transformadoras revolucionárias que ocorrem nas cabeças de seus leitores.

  2. […] de Darcy Ribeiro. Dos seus romances li O MULO e UTOPIA SELVAGEM, ambos igualmente imperdíveis. Darcy, grande brasileiro, cidadão brasileiro indígena do mundo […]


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