Intoxicações eletrônicas

18/06/2024 às 2:18 | Publicado em Artigos e textos, Zuniversitas | Deixe um comentário
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A “ Cracolândia Digital “ está ai em toda parte na grande rede !

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Intoxicações eletrônicas

Estudos apontam que o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking do uso de smartphones no mundo. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o brasileiro passa uma média de nove horas por dia com a atenção capturada pelas telas de quase meio bilhão de dispositivos eletrônicos existentes no país. O Brasil lidera a média do tempo de uso de tela no mundo todo entre a população infanto-juvenil, podendo chegar a mais de três horas por dia!

Tamanha exposição dificulta a construção de laços sociais e diminui a capacidade de interação social presencial. Encarcerada em seu quarto, uma criança fica privada de conhecer a liberdade de brincar ao ar livre e interagir com outras crianças de sua idade de maneira espontânea e lúdica. A canalização da energia própria da infância é drenada do mundo físico para o ambiente virtual, impactando no desenvolvimento de crianças e adolescentes.

A aquisição de habilidades psicomotoras como a capacidade de domínio dos movimentos corporais e de comunicação e expressão através da fala ficam inibidas pela contenção imposta pelo ambiente virtual. Dedos ágeis e olhos vidrados na tela é uma forma de captura da atenção/percepção que se assemelha muito aos estados hipnóticos e de desligamento da realidade provocados por substâncias tóxicas de drogas psicoativas.

O vício nos eletrônicos que acomete a todos, com impactos devastadores sobre a saúde mental de crianças e adolescentes, já é considerado uma forma de adição semelhante às drogas ilícitas: alteram estados de consciência, desviam a atenção, perturbam o ciclo circadiano do sono e provocam crises de abstinência com irritabilidade, podendo chegar a atos de violência contra o outro ou contra si próprio.

“Intoxicações Eletrônicas: O Sujeito na Era das Relações Virtuais” é um livro incontornável cujo título serve de inspiração para essa coluna e cujo conteúdo, da primeira à última página, orientam minha prática na clínica. Publicado há sete anos, pela editora baiana Ágalma, contém advertências valiosas acerca dos riscos para o desenvolvimento de crianças e adolescentes abandonados nessa Cracolândia digital. Na coletânea, o sofrimento psíquico é abordado pelos autores como uma resposta, sempre singular, às formas como as experiências subjetivas se dão na relação com o outro e com o discurso social.

Dentro dessa abordagem, um TDAH deixa de ser um transtorno e se torna um sintoma do uso tóxico dos eletrônicos a roubar nossa atenção; uma dificuldade de interação social não necessariamente é indicativo de autismo, podendo ser apenas inibição, uma consequência dos inibidores de experiência com o outro que são as telas; e uma criança que de repente corre de um lado para o outro pode ser apenas uma criança brincando de infância num breve momento em que deixou o tablet sobre a cama e tocou o chão com a ponta dos pés.

(Cláudio Carvalho)

FONTE: JORNAL A TARDE, SALVADOR-BA, 10.06.2024

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