TRIGONOMETRIA AMOROSA – uma poesia matemática
25/09/2012 às 3:31 | Publicado em Canto da poesia | 10 ComentáriosTags: Matemática, poesia
Dizem que é do Millor, mas não tenho certeza. Seja de quem for é bacana.
Às folhas tantas do livro de Matemática,
Um Quociente apaixonou-se
Perdidadamente
Por uma Incógnita.
“Quem és tu?” indagou ele
Em ânsia radicial.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode chamar-me Hipotenusa.”
Olhou-a com seu olhar inumerável, do Ápice à Base e viu nela uma figura ímpar:
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No Infinito.
E falando descobriram que eram
O que, em aritmética, corresponde
A alma irmãs
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senoidais,
nos jardins da quinta dimensão
Escandalizaram os ortodoxos
das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas
e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar.
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Um Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e
diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E tiveram muitos filhos:
uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo se torna, afinal,
monotonia.
Eis que surgiu
O Máximo Divisor Comum…
Freqüentador assíduo de Círculos Concêntricos e
Viciosos.
Ofereceu, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais um Todo,
Uma Unidade.
Era o tão chamado Triângulo,
amoroso.
E desse problema, ela era uma fração, a
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade.
Como aliás, em qualquer
Sociedade.
10 Comentários »
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Alertado por um amigo-colaborador deste blog, aviso que há um erro na famosa equação pitagórica: a soma dos quadrados dos catetos é a hipotenusa ao quadrado e não simplesmente a hipotenusa.
Mas como foi o MiIlor quem fez a poesia e ele já morreu vou deixar assim.
Se o erro foi dele eu acerto com ele no além (ou no aquém !), se foi algum beócio que introduziu o erro na poesia alheia e me passou eu vou deixar o alerta na forma deste comentário para ver se ele se manifesta.
abraços e minhas escusas por mim, pelo beócio ou pelo Millor (essas vocês podem dar pessoalmente daqui a mais um tempo… dado que isto é a única certeza, matemática ou não, que temos !)
Comment by Jose Rosa— 25/09/2012 #
De qualquer forma, podemos alegar que é “liberdade poética”.
Comparadas com outras “liberdades poéticas” que tenho observado hoje, essa até que está muito boa! 🙂
Comment by Jose Luis Carneiro— 25/09/2012 #
OK ZéLuis, eu havia pensado nessa possibilidade, a da ‘licença poética’, mas acho que para confirmar isso só mesmo falando com o autor, assim eu pretendo adiar ao máximo essa dúvida…
abs,
Comment by Jose Rosa— 25/09/2012 #
Oi Zé Rosa,
a poesia e o erro são mesmo do Millor. A poesia encontra-se no livro “Trinta anos de mim mesmo” e foi publicada originalmente, em 1949, na revista “O Cruzeiro”. Como o título deixa a entender, o livro é uma coletânea realizada quando ele completou 30 anos de carreira. Acredito que não se trata de licença poética, mas de erro mesmo. Mais deixa pra lá, eu gosto muito mais de uma outra poesia (faz parte do mesmo livro), que transcrevo a seguir:
“IF”
(Não à maneira de Rudyard Kipling)
Se és dos que se perdem
na perdição geral,
e se duvidam de ti, tu duvidas também,
recobrando, às vezes, a certeza,
mas não com a mesma inteireza.
Se esperas furioso, e esperas o pior.
Se, por mais que te controles,
te perturbam a antipatia alheia
e o desprezo geral
e o pouco que aguentas
te dá um orgulho total.
Se o sonho crês realidade
e o que pensas, a Única Verdade.
Se és capaz de encarar a Derrota e a Vitória
como matrizes que são, do Olvido e da Glória.
Se combates a calúnia
com mentiras sem fim .
Se, destruído um esforcinho qualquer,
te pões logo a chorar: “Parei, não faço mais!”,
até que os amigos
te arranjem capitais.
Se, num golpe de azar, perdendo o total
de tudo que era teu, tentares te salvar
com algum golpe imoral.
Se a vagotonia, a enfartemiocardia,
cirrose, catarata, simples cefalalgia
(ou seja, qualquer dor),
te impedem de viver,
que o corpo é teu Senhor.
Se qualquer relação importante
te deixa exultante e, jogado a multidão,
te sentes um anão.
Se te abalas ante o atraso da amiga,
a frieza do amigo,
qualquer sinal de “Nem te ligo”,
e não consegues firmeza
ante a menor safadeza.
Se, enfim, de cada minuto,
hesitas, paras, sofres os sessenta segundos,
És um dos que nós somos;
sensato e desvairado,
liberto e emparedado,
idolatra e profano.
E, o que é melhor, meu filho,
tu és um ser humano.
Comment by Zé Rocha— 28/09/2012 #
Zé Rosa, sem querer ser chato, o título correto é “Poesia Matemática” e não “Trigonometria Amorosa”. Já que abri outro comentário, seguem mais duas do Millor:
1) Ao Todo Poderoso
Essa pressa leviana
Demonstra o incompetente
Por que fazer o mundo em sete dias
Se tinha a eternidade pela frente?
2) Só sei que nada sei
(Poesia com autocrítica)
Há os que não sabem antropologia
e os que ignoram trogonometria.
Mas só de mim ninguém pose falar nada.
Minha ignorância
não é
especializada.
Comment by Zé Rocha— 28/09/2012 #
Que lindo Rocha,
Fico muito grato, engrandeceu muito este ZEducando !
Essa merece um post em separado, vou fazer assim que puder.
abração,
José Rosa.
Comment by Zé Rosa— 28/09/2012 #
Mais duas ótimas Rocha,
O Millor faz mesmo muita falta.
Mesmo errado o título, vou seguir o que ele ensinou e ficar com minha pan-ignorância nem tão especializada assim.
abração,
José Rosa.
Comment by Zé Rosa— 28/09/2012 #
Tem um outro erro tbm ..
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No Infinito.
Obs: observe que se duas retas são paralelas elas NUNCA se encontrarão nem no infinito …
Comment by juliana carpentieri— 17/04/2013 #
Prezada Juliana,
Pelo que vi do Millôr, é quase certo que ele sabia que duas paralelas não se encontram jamais (ou pelo menos na geometria euclidiana…).
Assim, acredito que ele usou o que os escritores chamam de uma ‘licença poética’. No caso uma ‘licença matemática-poética’.
abs,
Obrigado pelo comentário.
José Rosa.
Comment by Zé Rosa— 17/04/2013 #
Sim é de Millôr Fernandes.
Texto extraído do livro “Tempo e Contratempo”, Edições: O Cruzeiro – Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.
Comment by Mário Félix— 25/10/2017 #