NEGRI E HARDT – IMPÉRIO

06/08/2015 às 3:15 | Publicado em Artigos e textos, Zuniversitas | 2 Comentários
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Interessante esse artigo, mas aviso de antemão que não é de fácil leitura. Me lembrou um livro que li de Milton Santos, quando de minha aventura no Mestrado em Educação na UNEB (em: Milton Santos, geógrafo do mundo !)


NEGRI E HARDT – IMPÉRIO

Império é a primeira grande cartografia do terceiro milênio” – Peter Pal Pelbart, Vida Capital, p. 81

Antonio Negri e Michael Hardt apresentam o conceito de Império. Como entender as relações de poder, dominação, capitalistas em nosso tempo? Como fazer uma análise do mundo pós-moderno e pós 11 de setembro? Para responder a estas perguntas Negri e Hardt nos dão apenas uma palavra: Império. Um poder transcendente, sem centro, uma força globalmente opressora, sem líderes, acima de qualquer instituição e estado nação. O Império funciona capilarmente, horizontalmente. Todos são seus servos.

Diferentemente do Imperialismo, mais simples, localizável, o império é um não-lugar, é o poder difuso. Não se trata mais apenas da concentração de outro, de moeda, de riquezas materiais. A concentração, a desigualdade, também acontecem subjetivamente. O Império explora mentes, subjetividades, criatividades, conhecimentos, relações, penetra a própria vida das pessoas, molda os desejos, articula afetividades. O fluxo de capital não é apenas dos países de terceiro mundo para os de primeiro e não se trata mais apenas de fluxo de capital, o Império realiza fluxos ininterruptos dos mais simples aos mais complicados. O poder imperial não tem lado de fora.

O Império está se materializando diante de nossos olhos” – Hardt e Negri, Império, p. 11

Nesta nova constituição, os estados nação são subordinados ao império, ele engloba, axiomatiza, fagotiza lentamente o mundo inteiro, expandindo suas barreiras até não haver mais lado de fora. A soberania dos estados nação está em crise. O mundo não é mais governado pelos países e nem por uma estrutura centralizada de poder. Presidentes se curvam ao FMI, ao G8 à OMC, o poder atravessa fronteiras. As bandeiras nacionais têm hoje e cada vez mais um poder simbólico. Não há fronteiras, globalização é sinônimo de regulação global. É um mundo controlável, manejável, tudo pode ser articulado para melhor seduzir e criar a servidão. Todo o território é administrado. Não só um mundo é criado, mas as próprias pessoas que habitam este mundo.

O Império só pode ser concebido como uma república universal, uma rede de poderes e contrapoderes estruturada numa arquitetura ilimitada e inclusiva” – Negri e Hardt, Império, p. 185

O Império não reprime, produz; não pune, controla. Entramos na sociedade biopolítica de Foucault e de controle que Deleuze tão bem definiu. Tudo sobreposto, produção e reprodução integral da vida: tornar todos escravos e opressores. Produção de subjetividades em série. O poder interpreta a vida por nós. Teoria da conspiração? Não, as formações de subjetividade acontecem antes mesmo de nascer. Não há mais linha a ser cruzada, a sociedade de controle age antes mesmo que você possa visualizar uma linha que separa a liberdade da servidão.

O conceito proposto por Negri e Hardt procura dar conta de explicar uma máquina universal de integração, um apetite infinito e engole tudo à sua frente. O domínio Imperial envolve, perigosamente, aproveitar estas diferenças, não exclui-las. No nível jurídico, teoricamente, não há diferença; no nível cultural, as diferenças são aceitas e hierarquizadas. Trata-se de um triplo imperativo: diferenciar, incorporar e administrar.

- Feast of Kings, 1913, Pavel Filinov– Feast of Kings, 1913, Pavel Filinov

Diferenciar, causar a diferença, permitir que a diferença se manifeste (até porque ela inevitavelmente se manifesta), a diferença sempre escapa às redes de controle, vigilância e disciplina, o Império sabe disso; tendo em vista que é impossível controlar tudo e todos, o Império age incorporando as diferenças (é, por exemplo, a camiseta do Che Guevara que você comprou no Shopping); desta forma o Império pode administrar aquilo que lhe escapa e que eventualmente o destruiria. Deleuze e Guattari chamam de reterritorialização e axiomatização.

O império é o parasita que constantemente se alimenta da criatividade e da vitalidade da Multidão. A criatividade do Império é a reterritorialização da criatividade que emergem de milhões de linhas de fuga. Há um constante desejo de desterritorialização das multidões. Quem vive sob o Império quer fugir, todo desejo quer tornar-se nômade, e o capital precisa constantemente conter as linhas que escapam da forma fechada.

A soberania imperial depende não só do consentimento como da produtividade social dos governados. Os circuitos de produtores sociais constituem o sangue que corre nas veias do Império, e se eles viessem a recusar a relação de poder, esquivando-se dela, ele simplesmente desmoronaria sem vida” – Hardt e Negri, Multidão, p. 419

O Império é um vampiro, é ele que transforma o “alternativo” em “mainstream”, o hippie em hipster. Em cima e embaixo, por todos os lados, ele vampiriza a produção da Multidão. O Império vive como um parasita que suga o sangue da Multidão, ou pelo menos sua capacidade de produção e consumo. Como armas de luta, os autores propõe o êxodo, deixar de obedecer. A verdadeira força produtiva do mundo não vem do Império, por isso o poder se dá sobre a vida.

O poder político soberano nunca pode realmente chegar à pura produção de morte, pois não se pode permitir eliminar a vida de seus súditos” – Hardt e Negri, Multidão, p. 42

Mas as saídas estão dentro das brechas que se abrem em toda forma de controle e disciplina. Encontrar os momentos de indisciplina nos intervalos do controle. Fazer da luta uma flor que cresce no asfalto. Se a forma Imperial que Negri e Hardt definiram se alimenta constantemente da produção da Multidão, esta, por sua vez, é potencialmente autônoma, ou seja não precisa dos mecanismos imperiais para existir.

O Império pretende ser senhor do mundo e caso isso não seja possível, ameaça destrui-lo, nós queremos o mundo porque somente nós o criamos. O objetivo não é tomar o Império, porque a própria estrutura do Império está afundando, não queremos tomar o timão do barco, queremos abandoná-lo o mais rápido possível e pensar em alternativas que sejam não substitutivas, mas melhores. É preciso atravessar o Império para sair do outro lado. Melhor que resistir à globalização é acelerar o processo.

A ordem imperial se apresenta como eterna, necessária e permanente. O Império se utiliza dos estados-nação como um canal de dominação. E desta reprodução ad aeternum brotam todas as teorias que enfatizam como as coisas são e devem ser: a inércia da vida presa no Império é fonte de suas próprias teorias conservadores: “as coisas são assim” traz implícito um “as coisas devem ser assim”. As figuras de subjetividade em crise nascem desta dominação: o representado, o mediatizado, o securizado; o endividado.

Mas sabemos que o império, enquanto faz da multidão seu próprio instrumento, ele está constantemente ruindo. A corrupção do Império é a fonte de onde jorra a água de uma nova democracia. A própria pós-modernidade, sabemos, é definida pela crise constante, onde é constantemente necessário o estado de exceção. Mas guerra do opressor nunca é igual à guerra do oprimido. Da lama do Império vemos a flor de lótus da multidão que se eleva em direção ao Sol.

- Bourgeois in a Carriage, 1913, Pavel Filinov– Bourgeois in a Carriage, 1913, Pavel Filinov

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