No caminho do bem

15/03/2015 às 11:15 | Publicado em Artigos e textos, Zuniversitas | 3 Comentários
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Também muito oportuna essa crônica de hoje de Moema Franca (Revista Muito, jornal A TARDE, Salvador-BA). Alguns “homens de bem” irão às ruas neste país no dia de hoje.

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No caminho do bem

Poucas figuras são tão assustadoras quanto o homem de bem. O homem de bem dorme tranquilo oito horas seguidas enquanto assombra nossas noites insones. Morrem 12 pessoas numa ação suspeita da PM num bairro periférico, e tudo o que tem a dizer o homem de bem é que bandido bom é bandido morto. Mas e se não for bandido?, indaga o homem comum. Por que tantos tiros à queima-roupa, por que marcas de tortura, por que tantas versões sobre o que aconteceu? Por que choram pais e avós e irmãos e primos e amigos uma dor ao mesmo tempo muda e gritada, afirmando que não eram bandidos? Porque não têm pudor nenhum de mostrar a cara? De onde vem esse medo ao avesso? Não importa, responde o homem de bem. O que estavam fazendo ali, àquela hora? Boa coisa não podia ser. Se não eram bandidos, estavam em companhias erradas. Pediram por isso. Não há perguntas difíceis para o homem de bem.

E se fossem bandidos?, quer saber o homem comum. Não bastaria prender, tem que matar? No que se transforma um homem que mata sema necessidade de matar? O homem comum quer entender o efeito do tiro em quem o dispara. O homem de bem não tem paciência para essas conjecturas. Um cadáver será sempre um cadáver, um homem de bem será sempre um homem de bem, imutáveis as suas naturezas. Está com pena? Então leva para casa, ele diz. Quandoforcom você, quando matarem o seu filho, quando roubarem a sua casa, diz o homem
de bem, sem se importar que morreramfilhose irmãos e netos de alguém. Bandido bom é bandido morto, mesmo se não for bandido, porque tem cara de bandido e um dia será bandido. O homem de bem não duvida, não hesita. Ele paga os seus impostos em dia, ele quer os seus bandidos mortos. O homem de bem nunca esteve no lugar errado na hora errada, nunca escolheu um sabor ruim de sorvete. A bala que mata o bandido não abala o homem de bem.

A TV mostra imagens dos corpos torturados. O homem comum se pergunta: por quê? Como? Mas não o homem de bem. O homem de bem quer saber de onde surgiram as imagens. É crime divulqá-las, garante. Um ladrão rouba doisfrascos de repelente, os policiais o prendem, cumprindo sua função, mas também o chutam, algemado, nó chão. O homem comum quer saber para quê. O homem de bem defende o chute. É bandido. E bandido bom … A mulher pobre provoca um aborto em si mesma, o médico denuncia, a polícia prende, o homem de bem aplaude. Está na lei, é o que diz. Dois meninos de mãos dadas,
duas meninas trocando um beijo, lâmpadas quebradas em seus corpos, chutes, socos, tiros. Quem manda seguir o caminho errado?, avisa o homem de bem, a mão repousada no seu livro sagrado. O homem de bem quer construir um mundo bom para seviver, quertodosos meninos e meninas nocaminho do bem. O homem de bem quer o tiro, o chute e a prisão, o homem de bem quer sangue. O homem de bem vai ao paraíso quando morrer. O paraíso é a consciência de um homem só.

(Moema Franca)

FONTE: Jornal A TARDE, Salvador-BA, hoje, em papel devidamente escaneado

E se

15/03/2015 às 8:40 | Publicado em Artigos e textos, Zuniversitas | 4 Comentários
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Muito oportuna essa crônica do Veríssimo num dia como hoje.


E se    carinha_colunista_Verissimo

“Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução”, escreveu o Drummond. “Se” é sempre o começo de uma especulação inútil: o que poderia ter acontecido e não aconteceu. Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo, minha vida não seria muito diferente. Já se, em vez de Verissimo, eu me chamasse Rockefeller, seria.

O que vem depois de um “se” é um mundo imaginário, em que cabem todas as fantasias. E se o governo João Goulart não tivesse sido derrubado e fizesse as reformas que pretendia fazer? E se o golpe de 64 tivesse fracassado? Mesmo como mera especulação, esta alternativa deve horrorizar quem nunca duvidou que o golpe impediu que o Brasil se transformasse numa republica anarco-sindicalista, para usar os termos da época, e uma grande Cuba. Para outros, um fracasso do golpe teria nos poupado de 20 anos de ditadura e as reformas pregadas pelo governo e combatidas pela direita teriam beneficiado o país sem ameaçar a democracia. Fantasias à vontade.

Mesmo as especulações mais quiméricas precisam dar atenção a um mínimo de realismo. Até fantasia tem limite. Sessenta e quatro aconteceu num contexto de Guerra Fria, quando a doutrina de segurança continental, de contenção do comunismo ou de qualquer coisa parecida dominava a relação dos Estados Unidos com as Américas. E se o golpe de 64 tivesse fracassado, uma intervenção americana — ou no mínimo um porta-aviãozinho americano posto à vista para assustar os nativos — seria inevitável. Ou não seria? Outra vez, especulações, especulações.

O treinamento de militares brasileiros por militares americanos na famigerada Escola das Américas, onde se ensinava, inclusive, técnicas de tortura, começou antes do golpe. Antecedeu 64, e não seria demais especular que preconizou 64. Neste contexto, a probabilidade de uma resistência ao golpe e uma vitória dos legalistas contra os golpistas simplesmente não existiu. Falava-se muito, na época, de um tal esquema militar do Jango, que estaria pronto a enfrentar e derrotar os militares rebelados. O esquema militar do Jango virou uma piada. A vitória do golpe já estava assegurada antes de um tanque dos sublevados se mexer. Estava no currículo da Escola das Américas antes de acontecer.

O golpismo contemporâneo está distante do golpismo de 64 não só no tempo. Seu contexto é completamente diferente. Ou será que, 51 anos depois, é a mesma guerra com outras caras? Matéria para muitas especulações.

(Luis Fernando Veríssimo)

FONTE: http://oglobo.globo.com/opiniao/e-se-15594231

Eu não vou !

15/03/2015 às 3:44 | Publicado em Fotografias e desenhos | Deixe um comentário
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Eu_nao_vou

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